Caminho solitário muitas  vezes é opção 


Foi a busca por reflexão que levou o empresário Denis Rezende, 29, a descobrir o que se transformaria em uma de suas maiores paixões: peregrinar sozinho. "Eu era muito acelerado e vivia tendo problemas de gastrite, pressão. Estava atravessando uma época de muitos problemas e comecei a buscar espiritualidade. Foi quando decidir fazer o caminho de Santiago", relata.

Antes, Rezende já tinha feito uma caminhada mais curta --o caminho inca até Machu Pichu, que durou três dias. Já para percorrer a trilha de peregrinação espanhola, caminhou durante um mês desacompanhado.

"Os primeiros dias são realmente difíceis. Andando sozinho e calado você começa a acessar suas zonas de sombra. Todos os problemas que influenciam seu dia-a-dia vêm à tona. Todas as suas questões obscuras de relacionamento, todo o seu egocentrismo, tudo o que você passou e não aceitou ao longo da vida lhe acomete. Eu chegava a acordar deprimido e aflito", lembra.

Ele conta que o desconforto do enfrentamento consigo mesmo durou cerca de uma semana. "Depois de vários dias superdimensionando qualquer dor física e chorando por qualquer coisa, passei a acordar subitamente disposto. Dormia às 20h e levantava antes do sol, muito feliz por ter de andar", conta. O empresário concluiu o caminho colecionando episódios de tempestade, frio e muitas horas sem sequer ver outro ser humano.

Depois do caminho de Santiago, Rezende fez outras peregrinações. No Brasil, percorreu o caminho da fé, que liga as cidades de Águas da Prata e Aparecida do Norte, por 12 dias. "Esse foi o de maior provação porque a infra-estrutura é muito precária. Um amigo tentou me acompanhar, mas acabou desistindo, e eu segui", diz.

"Mudou minha vida. Hoje sei que preciso de momentos de isolamento. As pessoas estão desacostumadas a ficar sozinhas, a usufruírem da própria companhia. Nas suas inseguranças, ficam buscando apoio de todo mundo, perguntando o que fazer. Mas as respostas estão mesmo dentro de cada um. Aprendi que esse é o meu melhor modo de acessar minhas respostas. Freqüentemente vou à casa que tenho em Atibaia e caminho 20 km acompanhado apenas do meu cachorro", diz.

A próxima peregrinação solitária está agendada para janeiro, quando ele percorrerá o caminho do sol, que liga Águas de São Pedro a Santana do Paranaíba, em São Paulo.

Em casa, o espaço do isolamento é garantido também. Rezende tem um quarto em que costuma parar para "processar os dados". "Tenho um quarto em que estão meu computador e meus livros. Faço uma parada por lá quase diariamente. Por um tempo foi difícil para a minha mulher e para a minha filha entenderem minha necessidade de estar sozinho. Mas, após anos, elas acabaram se acostumando. Hoje convivem bem com isso, compreendem que aquele é meu espaço de reflexão e não chegam perto", afirma.

AUTOCONHECIMENTO

A gerente Maristela Amaral, 26, também fez das viagens internacionais sozinha atalhos para o autoconhecimento.

Em 2002, foi visitar a Austrália sem companhia nenhuma. A idéia era ficar por lá durante quatro meses --acabou passando dois anos. Há três meses, fez outra jornada solitária. Dessa vez o destino de Maristela foi a América Latina.

"Acho que essas viagens são fundamentais para que eu aprenda mais sobre os meus próprios limites. Quando você está sozinho em outro país, começa inevitavelmente a se perguntar quem é; o que é capaz de fazer pelas pessoas e o que não é de fazer; até onde consegue dividir o que é seu, por exemplo."

Ela conta que, obviamente, há uma série de dificuldades também. "Tem horas em que a insegurança te toma de assalto, momentos em que a solidão vem com muita força. Estava viajando pelo Peru e pela Argentina sem planos e comecei a sentir muita falta do meu pai, que morreu há um ano. É muito contato consigo mesmo, falta alguém com quem vibrar ou com quem dividir as coisas boas e ruins que vão acontecendo. Ali é você com suas emoções", descreve.

Maristela diz que pretende repetir a dose. "Agora me acostumei. Quero fazer outras viagens. Tenho férias em períodos do ano em que as pessoas estão geralmente ocupadas, então acaba sendo unir o útil ao agradável."


 Fonte: TATIANA DINIZ da Folha de S.Paulo

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